quarta-feira, 21 de maio de 2008

Um Idioma Que Se Vê

Como foi que você aprendeu a sua língua nativa? Provavelmente ouvindo seus familiares e amigos falando-a quando você era criança. Para a maioria das pessoas, o idioma se aprende ouvindo e é expresso pela fala. Ao formular conceito e idéias, pessoas de capacidade auditiva normal automaticamente repassam na mente as palavras e as frases antes de proferi-Ias. Mas, se a criança nasce Surda, pode a mente formular pensamento de outra maneira? Existe um idioma que pode transferir idéias, abstratas e concretas, de uma mente para outra sem jamais emitir um som?

Vista, mas não ouvida

Uma das maravilhas da mente humana é a sua capacidade de linguagem e a habilidade de adaptá-la. Contudo, sem audição, aprender um idoma usualmente passa a ser uma função dos olhos, não dos ouvidos. Felizmente, o desejo de se comunicar arde forte na alma humana, capacitando-nos a vencer qualquer aparente obstáculo. Essa necessidade tem levado os Surdos a desenvolver muitas Línguas de Sinais em todo mundo. À medida que têm entrado em contato uns com os outros, tendo nascido em famílias Surdas, agrupados em escolas especializadas ou na comunidade, o resultado tem sido o desenvolvimento de um sofisticado idioma feito sob medida para os olhos, a Língua de Sinais. Para Carl, um surdo americano, essa língua foi dádiva de seus pais Surdos. Embora nascesse Surdo, desde criancinha já sabia classificar itens, encadear sinais e expressar pensamentos abstratos na Língua Americana de Sinais (ASL).

A maioria dos bebês Surdos que usam a Língua de Sinais começam a produzir seus primeiros sinais por volta dos 10 a 12 meses de idade. O livro A Journey In to the Deaf World (Jornada no Mundo Surdo) explica que "os lingüistas reconhecem agora que a capacidade natural de aprender um idioma e de passá-lo aos filhos está profundamente enraizada no cérebro. Emergir essa capacidade numa Língua de Sinais ou numa linguagem falada é uma questão irrelevante."

Sveta nasceu na Rússia, numa família Surda de terceira geração. Junto com seu irmão Surdo, ela aprendeu a Língua Russa de Sinais. Quando foi matriculada numa pré-escola para crianças Surdas, aos três anos de idade, seu domínio natural da Língua de Sinais já estava bem desenvolvido. Steva diz: “outras crianças Surdas não conhecem a Língua de Sinais, de modo que aprendiam de mim." Muitas crianças Surdas tinham pais Ouvintes que não usavam a Língua de Sinais. Em muitos casos, as crianças Surdas mais velhas na escola ensinavam a Língua de Sinais para as mais novas, ajudando-as a comunicar-se com facilidade.

Hoje, cada vez mais pais Ouvintes aprendem a se comunicar com os filhos por meio de sinais. Assim, esses jovens Surdos podem comunicar-se eficazmente antes de entrar na escola. No Canadá, isso aconteceu com Andrew, cujos pais ouvem. Estes aprenderam a Língua de Sinais e usaram-na com ele desde a tenra idade, provendo-lhe uma base lingüística sobre a qual ele podia edificar nos anos à frente. Agora, a família inteira se comunica sobre qualquer assunto na Língua de Sinais. Os Surdos são capazes de formular pensamentos, abstratos e concretos, sem precisarem pensar numa língua falada. Assim como cada um de nós formula pensamentos em nosso próprio idioma, muitos Surdos fazem o mesmo em sua Língua de Sinais.

Variedade de Línguas

Mundialmente, as comunidades Surdas criaram a sua própria Língua de Sinais, ou incorporaram aspectos de outras Línguas de Sinais. Parte do vocabulário da ASL atual derivou-se da Língua Francesa de Sinais, há 180 anos. Este combinou-se com a forma nativa que já era usada nos Estados Unidos e tornou-se a atual ASL. As línguas de sinais desenvolvem-se ao longo de muitos anos e sofrem refinamentos em todas as sucessivas gerações.

Normalmente, as Línguas de Sinais não seguem os movimentos sócio-geográficos das línguas faladas. Em Porto Rico, por exemplo, usa-se a ASL, mas fala-se espanhol. Embora o inglês seja falado tanto na Inglaterra usa a Língua Britânica de Sinais, que é muito diferente da ASL. Também, a Língua Mexicana de Sinais difere das muitas Línguas de Sinais da América Latina.
Quem estuda uma Língua de Sinais fica impressionado com sua sutil complexidade e riqueza de expressão. A maioria dos assuntos, pensamentos ou idéias podem ser expressos com a Língua de Sinais. Felizmente, há uma tendência crescente de produzir literatura para Surdos em videocassetes, usando a Língua de Sinais para contar histórias, expressar poesia, apresentar relatos históricos, ensinar verdades bíblicas. Em muitos países, o aprendizado da Língua de Sinais está em alta.

Ao ler, os ouvintes em geral recorrem à memória auditiva, ao passo que vão se lembrando dos sons das palavras. Portanto, muito do que lêem é entendido porque já o ouviram antes. Na maioria das línguas, as palavras escritas não retratam, ou não se assemelham, às idéias que representam. Muitos ouvintes aprendem esse arbitrário sistema ou código escrito associando-o com os sons da língua falada, de modo a entender o que lêem. Tente imaginar, porém, jamais ter ouvido, em toda a sua vida, um som, uma palavra ou uma língua falada! Pode ser difícil e frustrante aprender um arbitrário código escrito para uma língua que não se pode ouvir. Não é de admirar que ler tal língua seja um grande desafio para os Surdos, especialmente para aqueles que não têm nenhuma audição residual ou que jamais ouviram.

Muitos centros educativos para crianças Surdas ao redor do mundo já perceberam os benefícios de usar Língua de Sinais bem mais cedo no desenvolvimento lingüístico da criança. Tais centros constataram que expor a criança Surda a uma língua de sinais natural e desenvolver um fundamento lingüístico lançará a base para um melhor desempenho acadêmico e social, bem como para o posterior aprendizado de uma língua escrita.

Uma comissão para educação dos Surdos, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, declarou: "Não se pode mais negligenciar a Língua de Sinais, nem evitar participar ativamente no seu desenvolvimento em programas educativos para Surdos." É preciso que se diga, porém, que seja qual for o método de educação escolhido pelos pais para a criança Surda, a plena participação tanto do pai como da mãe no desenvolvimento da criança é crucial importância.

Compreenda o mundo Surdo

Muitas crianças Surdas que se tornam adultos Surdos dizem que o que mais desejavam era poder se comunicar com os pais. Quando a sua idosa mãe estava à beira da morte. Jack, um Surdo, lutou para dizer-lhe algo, mas não conseguia escrever o que queria e ela não conhecia a Língua de Sinais. Daí, ela entrou em coma e veio a falecer. Jack sentia-se atormentado pelas recordações desses frustantes momentos finais. Essa experiência induziu-o aconselhar os pais de crianças Surdas: "Se desejam uma comunicação fluente e uma significativa troca de idéias, emoções, pensamentos e amor com a criança surda, usem a Lingua de Sinais... Para mim é tarde demais. É tarde demais para vocês?”

Por anos, muitos têm avaliado mal o conhecimento pessoal dos Surdos. Alguns acham que Surdos não sabem praticamente nada, porque não ouvem nada. Há pais que superprotegem seus filhos Surdos ou temem integrá-los no mundo dos Ouvintes. Em certas culturas os Surdos são erroneamente chamados de "mudos" ou "surdos-mudos", embora em geral, eles não sejam vocalmente deficientes. Simplesmente não ouvem. Outros encaram a Língua de Sinais como primitivas, ou inferiores à língua falada. Não é de admirar que, com tal ignorância, alguns Surdos se sintam oprimidos e incompreendidos.

Joseph, criado nos Estados Unidos nos anos 30, ainda bem jovem foi matriculado numa escola especial para crianças Surdas que proibia o uso da Língua de Sinais. Eles e seus colegas de aula muitas vezes foram punidos por usarem Sinais, mesmo quando não entendiam a fala de seus professores. Quando ansiavam entender e ser entendidos! Em países em que a educação de crianças Surdas é limitada, algumas crescem com pouquíssima educação formal. Por exemplo, um correspondente de Despertai na África ocidental disse: "A vida para a maioria dos Surdos na África é dura e sofrida. Dentre todos os deficientes, os Surdos são, provavelmente, os mais negligenciados e menos compreendidos."

Todos nós sentimos a necessidade de ser entendidos. Infelizmente, há pessoas que, ao verem um Surdo, só vêem um "incapacitado". Aparentes inabilidades podem empanar as verdadeiras habilidades dos Surdos. Em contraste, muitos Surdos consideram-se "capacitados". Comunicam-se fluentemente entre si, desenvolvem auto-estima e têm bom desempenho acadêmico, social e espiritual. Infelizmente, os maus tratos que muitos Surdos sofrem levam alguns deles a suspeitar dos Ouvintes. Contudo, quando os Ouvintes interessam-se sinceramente em entender a cultura Surda e a Língua de Sinais natural, e encaram os Surdos como pessoas "capacitadas", todos se beneficiam.

Se você gostaria de aprender uma Língua de Sinais, lembre-se de que as línguas representam como nós pensamos e processamos idéias. Para aprender bem uma Língua de Sinais, a pessoa tem que pensar nessa língua. É por isso que simplesmente aprender sinais de um dicionário de língua de sinais não seria útil para se tornar realmente eficiente nesta língua. Por que não aprender dos que usam a Língua de Sinais no seu dia-a-dia, os Surdos? Aprender uma segunda língua de usuários nativos ajuda a pessoa a pensar e a processar idéias de maneira diferente, porém natural.

Em todo o mundo, os Surdos expandem seus horizontes usando uma rica Língua de Sinais. Venha e veja pessoalmente essa Língua de Sinais.
Este artigo foi reproduzido da revista Despertai!, de 08/09/1998

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